Falo sem saudade, falo por saber: se muito vale o já feito, mais vale o que será
Por Helena Silvestre
“Falo assim sem saudade, falo assim por saber: se muito vale o já feito, mais vale o que será”. Uma vez me explicaram uma coisa sobre as estrelas: elas estão tão distantes que, na maioria das vezes, o brilho que enxergamos são de estrelas que já não existem mais. Para mim esta tem sido há muito tempo a melhor imagem para descrever o PT.
Muitos de meus amigos estão tristes, muitos ativistas se sentem derrotados. O processo de impedimento não foi barrado e, ao final, Dilma será mesmo julgada pela corja de ratos que até ontem davam sustentação a seu governo. Pareceria, ao olho bobo ou iludido, que a estrela morreu; que a noite será de profunda escuridão.No entanto, quando observamos com mais do que apenas nosso olhar, a realidade se mostra diferente.
O povo pobre, os trabalhadores e trabalhadoras das periferias e quebradas do Brasil inteiro não comemoraram a decisão do Senado, mas também não derramaram lágrima alguma de tristeza ou revolta por ela. O povo não quer Temer assim como já não queria Dilma. Porque o brilho que ainda chegava aos olhos de alguns era de uma estrela que já havia se apagado há muito tempo e, talvez pela dureza que a vida impõe o povo percebeu isso.
Mano Brown disse que a periferia virou as costas para o PT. É uma terrível injustiça dizer isso. Os governos do PT poderiam ter Desmilitarizado as Polícias e evitado o assassinato de milhares de jovens negros que nasceram condenados à pena de morte por serem pobres. Até a ONU – que não é nenhuma organização revolucionária – sugeria isso ao governo em seus relatórios, ano após ano.
Então pergunto: quem virou as costas pra quem?
Tive a oportunidade de trabalhar na ABRA, quando esta era presidida por Plínio de Arruda Sampaio e, todas as revistas que publicávamos continham números tão alarmantes quanto demolidores: os governos do PT assentaram menos famílias do que os governos de FHC.
Então pergunto: quem virou as costas pra quem?
Alguns anos atrás, quando tive o privilégio de estar por alguns dias no Mato Grosso do Sul, sob a mira dos usineiros (que Lula chamou de heróis do Brasil) ao lado dos Guaranis Kaiowá, discutíamos, com tristeza, o fato de que os governos do PT haviam demarcado, naquele momento, menos terras do que os governos da direita.
Então quem virou as costas pra quem?
Não, o povo não virou as costas ao PT. O povo seguiu sobrevivendo no inferno e batalhando o pão de cada dia, em cada greve, em cada luta, e foi deixando a estrela apagada para trás. É preciso ter a coragem de enxergar e dizer precisamente quando é que fomos derrotados.
Nós não fomos derrotados agora, pelo Senado. Nós fomos derrotados quando Lula, talvez o símbolo mais importante da classe trabalhadora brasileira disse que Sarney era um homem respeitável. Fomos derrotados quando o Kit antihomofobia voltou pra gaveta porque o PT priorizou a aliança com a bancada evangélica. Fomos derrotados quando o PT colocou o exército para reprimir o nosso povo, preto, pobre, trabalhador, favelado no complexo do Alemão.
Nós não fomos derrotados agora.
A derrota aconteceu quando o PT abandonou a nossa classe em nome de um projeto burguês, branco, heterossexual, machista e liberal. Sequer direito ao aborto, nos deram. Sequer a descriminalização das drogas nos deram. Sequer o fim da saúde e educação privada nos deram.
Sequer nos deram a VALE de volta. Sequer nos devolveram a metade vendida da petrobrás. Sequer reduziram a jornada de trabalho pra gerar empregos e qualidade de vida. Sequer… tanta coisa, meu deus!
É por isso que, de costas um pro outro, há muito tempo, o PT vai pra um lado e o povo caminhará para outro.
Não é certo que o caminho que o povo escolherá será melhor; isso é parte da disputa que devemos fazer aqueles que acreditam no futuro. É preciso não ter medo de ser feliz, mas é preciso não ter medo de verdade.
É preciso não ter medo de seguir sem a referência que tivemos por décadas de PTismo.
É preciso não ter medo de ser feliz, é preciso não ter medo de encarar que o PT ficou pra trás e que a história das lutas será escrita por quem realmente não se deixar amedrontar. É preciso derrubar Michel Temer; é preciso derrubar Eduardo Cunha, Sérgio Moro, Aécio Neves, Marina Silva, Bolsonaro, Feliciano.
É preciso não ter medo de não saber o que virá. Porque o que virá é preciso construir, juntos, de mãos dadas. O amanhã precisa ser maior!
Se antes, ao sairmos da ditadura militar, a vitória se canalizou para uma democracia burguesa, é preciso não ter medo e disputar o futuro com as unhas pra que o abalo que sofre agora a democracia burguesa possa, quem sabe, seguir um rumo mais nosso, um rumo de democracia dos trabalhadores, sem corruptos, sem burgueses, sem coxinhas, sem torturadores, usineiros, latifundiários, racistas, enfim.
É preciso não ter medo de ser feliz!
Quem produziu o PT e suas vitórias eleitorais foi a luta da classe trabalhadora. Se a classe hoje não mais se reconhece nele, é preciso dar força aos trabalhadores e suas lutas porque é no interior delas que poderá surgir o novo. É preciso não ter medo de ser feliz!
Há aqueles, eu sei, que me dirão:
-“Mas Helena, as coisas podem piorar!
“Eu sei, mas o medo de dormir precisa ser vencido por quem quer ainda sonhar.
Fora Todos Eles!
Que o Povo Trabalhador Decida!
Que o Povo Trabalhador Governe!
Helena Silvestre é do Movimento Luta Popular