“Experimento da privatização da Previdência fracassou no mundo”, afirma OIT
Estudo publicado mostra que, dos 30 países que fizeram reformas como a que propõe Bolsonaro, 18 voltaram atrás
No período entre 1981 e 2014, 30 países de diferentes continentes privatizaram, de forma total ou parcial, seus regimes de Previdência social obrigatórios. Os resultados desse processo fizeram com que, até o ano passado, 18 deles voltassem atrás, buscando reverter, também de forma total ou parcial, as reformas implantadas. O dado foi publicado no estudo “Reversão da privatização de Previdência: questões-chave”, lançado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em dezembro de 2018.
Compõem a estatística países do Leste Europeu e da antiga União Soviética, da África e ainda 14 países da América Latina, como Venezuela, Argentina, Chile e Colômbia.
Embora os defensores das reformas apresentem a privatização dos sistemas de aposentadorias e pensões como solução para lidar com os desafios demográficos – como, por exemplo, o envelhecimento da população – e para a sustentabilidade da Previdência, a OIT afirma que tais países acumularam, ao longo do tempo, evidências que demonstram “que o experimento da privatização fracassou”.
Uma delas é o fato de as mudanças terem beneficiado o setor financeiro em detrimento do desenvolvimento nacional. O estudo aponta que, nesses países, em geral, o uso de fundos de previdência para investimento público “se perdeu nos sistemas privatizados de capitalização, que investiram as poupanças individuais em mercados de capitais buscando retornos elevados, sem colocar as metas nacionais de desenvolvimento como prioridade”.
A auditora fiscal Maria Lucia Fatorelli, uma das maiores especialistas do Brasil em Previdência social e coordenadora nacional do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, afirma que o diagnóstico levantado pela OIT chama a atenção para a lógica que fundamenta os sistemas de capitalização e a operação do mercado financeiro .
“Essa modalidade de capitalização está se mostrando excelente somente para os bancos que administram os fundos, porque eles cobram taxas exorbitantes. A pessoa que coloca lá R$ 1 mil não vai ter R$ 1 mil na conta. Esse valor vai ser investido. Se a aplicação der errado, esses R$ 1 mil podem virar R$ 500 ou até R$ 0. Mas, mesmo que vire R$ 0, essa pessoa da conta individual vai ter que pagar a taxa de administração para a instituição financeira que administra esse conjunto de contas. Então, é uma perda brutal pra classe trabalhadora e o único setor que ganha é o setor financeiro”, explica Fatorelli.
Por conta desse modelo adotado por países que implantaram reformas previdenciárias de caráter privatizante, a OIT aponta que houve uma concentração no setor de seguros privados. O organismo afirma que os defensores das mudanças argumentaram que a reforma geraria competição entre os diferentes administradores privados e que, na ponta, isso favoreceria o trabalhador, com melhorias na eficiência do sistema e na prestação de serviços.
Os resultados observados nesses países, no entanto, caminharam no sentido oposto: o estudo da OIT observa que, no Chile, por exemplo, o número de administradores de fundos privados de previdência caiu de 21, em 1994, para cinco no ano de 2008. Diante desse cenário, as três maiores empresas do setor passaram a deter 86% dos ativos do mercado, o que impediu que houvesse benefícios resultantes da concorrência.
“Pressão fiscal”
Outro aspecto levantado pelo organismo diz respeito aos altos custos de transição, que, segundo o estudo, foram “subestimados” pelos países e criaram “pressões fiscais” sobre a máquina pública.
Na Bolívia, por exemplo, os custos reais foram 2,5 vezes maiores que a projeção traçada pelos defensores da reforma. Já na Argentina, a previsão inicial de gasto, que seria de 0,2% do PIB nacional em 1994, aumentou 18 vezes, consumindo 3,6% do PIB. Com isso, os governos mergulharam numa crise fiscal porque tiveram que canalizar aportes de recursos para os fundos previdenciários.
“Houve um estrangulamento do orçamento, e não só isso: as pessoas que migraram pro regime de capitalização pararam de contribuir com a Previdência social. Ela para de contribuir para o regime geral e a arrecadação dessa contribuição – tanto dela quanto do empregador – para de chegar aos cofres públicos. Então, é uma dupla pressão orçamentária”, explica Fatorelli.
Alerta ao Brasil
Para a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, a pesquisa da OIT serve de alerta ao Brasil, que discute atualmente a Proposta de Emenda Constitucional Nº 6/2019, do governo de Jair Bolsonaro (PSL).
A medida propõe uma reforma da Previdência e traz, em seu conteúdo, o modelo de capitalização, baseado na adoção de contas individuais para o regime previdenciário brasileiro. O sistema rompe com a lógica coletiva de financiamento, em que trabalhadores, empresas e União têm participação nos aportes.
Fatorelli sublinha que a proposta coloca em xeque o principal objetivo do trabalhador, que é a segurança no futuro não só para a aposentadoria, mas também para as situações de risco social, como são os casos de cobertura previdenciária para situações de doenças, invalidez, pensões por morte, etc.
“Em todos esses eventos, a gente [trabalhador] quer o quê? Proteção, segurança. A capitalização é uma conta individual, é cada um por si, e o dinheiro é aplicado em aplicações de risco. Qual é a lógica de colocarmos a nossa Previdência, a nossa segurança, ligada aos momentos em que estaremos mais vulneráveis, que são todos esses eventos, em aplicação de risco? A coisa não tem nem lógica semântica”, critica.