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Escola Sem Censura: documentário aborda embate entre a autonomia docente e o projeto Escola sem Partido

Imagine dedicar parte da sua vida aos estudos, entendendo contextos históricos e embasando-se em teorias científicas, para que dessa forma se torne capaz de levar a outros essa bagagem. Agora, pense na possibilidade de ser impedido de fazer o seu trabalho, retirado da sua função e perseguido, simplesmente por transmitir esses conhecimentos.

Esse é um dos casos contados no documentário Escola Sem Censura, produzido por Rodrigo Duque Estrada e Ricardo Severo. Imergindo na onda conservadora que atravessa o país, os diretores expõem o projeto de lei Escola Sem Partido, o qual prevê restrições à autonomia dos professores e traz como plano de fundo o silenciamento em sala de aula.

Lançado no dia 5 de novembro, em Pelotas, o filme com duração de quase 1h desenha a perspectiva dos professores em relação ao projeto, seu impacto sobre a docência, mesmo sem ser sancionado, e os rumos sombrios que a educação pode tomar caso isso ocorra.

Os depoimentos debatem a proposta que o Escola Sem Partido defende: o professor fica proibido de abordar temas de qualquer corrente política, ideológica ou partidária. No entanto, não há especificação sobre o que seriam essas correntes, deixando amplo o entendimento sobre o que se deve ou não, ser apontado em sala de aula e, consequentemente, colocando em risco o papel da escola na formação da cidadania.

Segundo Rodrigo, diretor do documentário, que também é professor, a proposta surgiu em 2016, após contato com os estudantes secundaristas que ocuparam diversas escolas no estado do Rio Grande do Sul, em apoio aos docentes que estavam tendo seus salários atrasados.

Na época, os alunos já apontavam a tramitação do projeto Escola Sem Partido. “Foram indicados professores que estavam sendo perseguidos por tratarem temas plurais em sala de aula. Logo nós chegamos até a rede gaúcha Escola sem Mordaça e encontramos professores dispostos a ceder esses relatos”, afirmou.

Outra percepção obtida por meio dos depoimentos, é que o projeto de lei autoriza a relativização de conceitos que a ciência já comprovou. A partir do momento que não será possível debater e apresentar cientificamente fatos que refutem as convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, ele acaba restringindo o ensino. Além de fazer com que a família possa interferir no método escolar.

De acordo com Rodrigo, “o Escola Sem Partido abre brecha para perseguição aos professores, colocando-os como um inimigo público e fazendo com que a família participe de maneira errada da construção escolar, tentando empurrar uma visão particular de mundo como se fosse conceito pedagógico”.

Em menos de um mês, com mais de 30 mil visualizações, o documentário hospedado no You Tube, dá voz aos professores. De acordo com o diretor, é interessante que a iniciativa leve essa questão a todos, no entanto, ele foi pensado para falar diretamente com o público docente.

“Nossa contribuição não é só combater o projeto, é tentar explicar e refletir o que está por trás dele. E para isso, precisamos despertar a conscientização dos professores, para que eles não se sintam intimidados, nem constrangidos em sala de aula por medo de serem censurados. Buscamos a unidade entre os docentes em torno da crítica ao projeto, tendo os próprios professores como referência”, destaca, Rodrigo.

Como nasceu o projeto de lei Escola Sem Partido

Criado por Miguel Nagib, procurador do estado de São Paulo, atuando em Brasília, o Movimento Escola Sem Partido nasce em 2004, após sua filha ter passado por um episódio no âmbito escolar que, segundo ele, soou como “doutrinação”.

Um professor de História teria comparado a trajetória de Che Guevara à de São Francisco de Assis. Baseado na iniciativa norte-americana “No Indoctrination” (Não à Doutrinação), a qual possuía um site para denunciar professores considerados com conduta inadequada, Nagib começa a implantar o movimento no Brasil. Hoje, a plataforma No Indoctrination não existe mais nos EUA.

Em 2014, começa o expoente do movimento, quando o então deputado estadual, Flavio Bolsonaro (PSL -JR), encomenda a Nagib um projeto de lei com as diretrizes do movimento, nomeado como Programa Escola Sem Partido. Ele foi o primeiro político a propor o movimento como um projeto de lei. Em seguida, Carlos Bolsonaro (PSC), vereador no Rio de Janeiro, lançou o PL como proposta na Câmara Municipal.

Hoje, o Escola Sem Partido tem pelo menos 62 projetos de lei, em Casas legislativas municipais por todo o país, quatro cidades já aprovaram o projeto. Nacionalmente, está em votação no Congresso o PL 7180/14 de autoria do Deputado Erivelton Santana (PATRI- BA) que “inclui entre os princípios do ensino o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar, nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”, e tem como relator o Deputado Flavinho (PSC-SP).

Leia o projeto de lei no portal do Congresso:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606722

A qual propósito serve o PL Escola Sem Partido?

Rodrigo acredita que mesmo sem abordar diretamente os problemas estruturais que o sistema docente vive, o documentário serve para pensar quais são as mudanças reais que o meio precisa e, também, discutir sobre quais pautas apoiam-se os defensores desse projeto.

“Nenhum dos apoiadores do Escola Sem Partido estão preocupados realmente com a educação. Nunca apresentaram propostas para questões como o salário dos professores, infraestrutura ou evasão escolar. Estão apresentando pautas moralistas e que cerceiam o pensamento crítico e fazem com que o indivíduo torne-se mão de obra barata para o trabalho. Pois o incentivo à cidadania exige reflexão sobre os valores impostos socialmente”, destacou o diretor.

O documentário Escola Sem Censura tem o apoio da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e foi produzido pela Nomos Editora e Produtora Independente.

 

Por Nágila Rodrigues
Fonte: Sul21

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