Nova classificação de agrotóxicos é “forma de enganar a sociedade”, diz pesquisador
Metodologia muda rótulo dos produtos; Greenpeace aponta que sistematização confunde consumidores
A nova classificação de agrotóxicos feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e divulgada na terça-feira (23) causou reações em especialistas que acompanham o tema no Brasil.
A sistematização dos produtos, até então regulada por uma legislação de 1989 que previa a existência de quatro categorias segundo o nível de perigo oferecido pelos pesticidas, agora passa a ter cinco divisões. Com a mudança, aqueles que pertencem ao segmento dos “extremamente tóxicos”, hoje com 800 tipos, podem cair para 300.
Pelas novas normas, venenos antes considerados “altamente tóxicos”, que provocam irritação severa na pele, podem passar para toxicidade moderada, enquanto os “pouco tóxicos” – com risco de irritação leve na pele e nos olhos, por exemplo – ficam liberados de classificação, ou seja, não apresentarão advertências no rótulo para o consumidor.
O diretor da Anvisa, Renato Porto, disse, na terça (23), que as mudanças deixam os rótulos mais claros. “A partir do momento em que a Anvisa permite que um agrotóxico vá para o mercado, eu preciso que o agricultor utilize esse produto conforme as instruções e que ele observe os níveis de risco. Por isso, um dos avanços grandes que temos é trazer o agricultor para o controle e fiscalização desses produtos”, completou.
Especialista no tema, o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, diz que a nova metodologia impõe riscos à saúde humana porque os pesticidas têm reconhecida ligação com diferentes tipos de males.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em média, 193 mil mortes registradas ao ano no planeta podem ter relação com o uso de agrotóxicos e outros produtos químicos.
“A informação de risco agora privilegia os casos de morte. Sobrevalorizar um veneno porque ele causa morte e deixar de lado preocupações de longo prazo, como câncer, cegueira, problemas de raciocínio e no sistema nervoso central, para nós, é uma forma de enganar a sociedade. Vai minimizar o cuidado que as pessoas vão ter com venenos que não causam a morte, mas que trazem dramas que, para uma família, são tão relevantes quanto a perda de um parente”, reflete.
A Anvisa afirma que o novo marco regulatório é orientado por um padrão internacional, o Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (Globally Harmonized System of Classification and Labelling of Chemicals – GHS), adotado na União Europeia e na Ásia, por exemplo.
“Seria racional que nós tivéssemos um modelo semelhante, mas, na comunidade econômica europeia, pelo que sabemos, são proibidos vários dos produtos que são autorizados aqui. Seria de se esperar que uma reclassificação que compatibilizasse a realidade brasileira com a europeia retirasse do mercado esses produtos. No entanto, não há nenhuma sinalização nesse sentido”, pondera Melgarejo, acrescentando que mais de 30% dos venenos que circulam nacionalmente são rejeitados por esses países.
Segundo a Anvisa, a partir da publicação das novas regras, o órgão vai rever a categorização dos 2.300 produtos que hoje circulam no mercado. A agência afirma que já recebeu dados sobre 1.981 deles por meio de um edital aberto para solicitação de informações junto às empresas que detêm os registros.
Simbologia
Outro ponto da nova sistematização considerado crítico diz respeito ao uso de uma caveira no rótulo dos alimentos. Pelas regras anteriores, a imagem constava nas embalagens de todos os tipos de veneno. A partir de agora, ela passará a ser usada apenas para as duas categorias consideradas mais perigosas. Com isso, produtos considerados “moderadamente tóxicos”, “pouco tóxicos” ou “improváveis de causar dano agudo” não terão com o símbolo no rótulo.
A coordenadora da campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace, Marina Lacôrte, avalia que a mudança traz prejuízos para o entendimento do consumidor.
“Isso acaba confundido muito a sociedade porque não existe agrotóxico que não apresente nenhum tipo de perigo. A caveira era totalmente didática e remetia ao risco crônico oferecido pelos produtos, que podem oferecer mais ou menos riscos, mas o perigo é algo intrínseco a essas substâncias. Ele sempre está ali, então, isso coloca, sim, a sociedade em maior risco”, analisa.
Cenário
A aprovação do novo marco regulatório para pesticidas surge ao mesmo tempo em que o Brasil promove um avanço na presença desses produtos no mercado interno. Na última segunda-feira (22), o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) autorizou mais 51 tipos de veneno para o mercado nacional, totalizando 290 liberações pela gestão. A marca é a mais alta já registrada no país para um período tão curto.
A medida ajuda a manter o Brasil em destaque como o maior consumidor de pesticidas do planeta, ao mesmo tempo em que contrasta com a opinião popular sobre o tema. Uma pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha nesta quarta-feira (24) mostra que 78% dos brasileiros consideram os pesticidas inseguros e 72% avaliam que os alimentos produzidos no país contêm mais veneno do que deveriam.
O levantamento, feito entre os dias 4 e 5 deste mês, identificou ainda que a faixa de renda impacta na percepção da população sobre o assunto: 79% dos entrevistados que ganham até dois salários mínimos consideram os pesticidas muito inseguros, enquanto entre aqueles que recebem mais de 10 salários o índice fica em 67%.
“Nós imaginamos que não exista nenhum brasileiro que não saiba que os agrotóxicos são perigosos. O que existe é uma grande parcela da população que acredita que esse perigo é para os outros, não para ela. Acredita que é perigoso pra quem aplica [produtos na lavoura], pra quem mora no interior e também que, comprando parte da sua alimentação em feiras orgânicas, isso resolve o conjunto da sua alimentação. É uma visão ingênua, equivocada essa de acreditar que os limites são seguros pelo fato de existir algum controle em alguns produtos”, afirma Leonardo Melgarejo, ao analisar os dados da pesquisa.
Ele acrescenta que os danos causados pelo uso de pesticidas vão além do ambiente de produção agrícola porque os restos desses produtos acabam sendo canalizados para outros espaços.
“Não podemos desprezar, por exemplo, que todos nós bebemos água e que o veneno aplicado no interior termina chegando naquilo que a gente bebe porque ele contamina o solo, os rios, etc. Se a água está envenenada, esses resíduos [de agrotóxico] vão parar dentro do organismo humano porque todos nós somos formados também por água. É sempre importante esclarecer isso”, finaliza.
Fonte: Brasil de Fato