No Brasil, um continente de monoculturas banhado em agrotóxicos
Por Cida de Oliveira
Da RBA
Os 33,2 milhões de hectares de lavouras de soja que se espalham pela região Centro-Oeste, Sul e parte do Sudeste do Brasil poderiam preencher quase que toda uma Alemanha (35,7 milhões de hectares). Ou ocupar 11 vezes a da área da Bélgica, país que abriga a sede da Comunidade Europeia. A comparação ajuda a dar uma ideia da dimensão territorial dessa monocultura que consome sozinha 52% de todo o agrotóxico vendido no país que é campeão no uso desses produtos.
A cana de açúcar, por sua vez, embora responda por 10% dos venenos utilizados e ocupe menos de um terço da área da soja, açúcar tende a aumentar suas lavouras, que avançam por diversas regiões. Em todo o território de Portugal (9,2 milhões de hectares) já não caberiam os 10,5 milhões de hectares de cana hoje espalhados pelo Brasil.
E com novas plantas geneticamente modificadas em fase de avaliação para liberação, a tendência é que nos próximos anos os agroquímicos sejam ainda mais usados, multiplicando a incidência de casos de câncer, malformações, intoxicações e mortes.
Os dados alarmantes constam do atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia (clique aqui para acessar), lançado nesta segunda-feira (27) pela professora Larissa Mies Bombardi, pesquisadora do Laboratório de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP).
No lançamento, uma mesa de debate com o defensor público Marcelo Carneiro Novaes, da 1ª Defensoria Pública de Santo André – Regional do Grande ABC, coordenador adjunto do Fórum Paulista contra os Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, a médica Telma Nery, que coordena grupo de trabalho no mesmo fórum, a professora Marta Inês Marques, do Departamento de Geografia da USP, e o assessor de Meio Ambiente da CUT São Paulo Marco Antonio Dalama.
Atlas
Em 290 páginas, Larissa escancara a miséria socioambiental que toma conta do Brasil. No atlas propriamente dito há mapas por regiões, estados e municípios relacionados a intoxicações conforme diversas variáveis, como sexo, circunstância da contaminação, faixa etária, grupos étnico-raciais e locais de exposição.
O estudo demonstra com a realidade de comunidades indígenas contaminadas pelo agronegócio que avança sobre seus territórios, de mulheres que adoecem por trabalhar na colheita de frutas às margens irrigadas do São Francisco, na Região Nordeste. Ou mesmo de bebês intoxicados bem antes de completar 1 ano de vida.
Por meio de infográficos, é possível, por exemplo, ter uma noção do tamanho do problema ao comparar áreas ocupadas por culturas banhadas em agroquímicos, muitos banidos e proibidos no exterior, com as dimensões de países da União Europeia, onde a população cada vez mais rejeita esses produtos – e governos, como o da França, pretendem adotar medidas cada vez mais restritivas e reduzir a quantidade de venenos permitidos.
Enquanto os países da União Europeia permitem até 0,1 micrograma de glifosato por litro de água, o Brasil permite 500 microgramas – 5 mil vezes mais.
“O alimento perdeu o sentido de alimento e a terra está sendo violentada para a produção de commodities para exportação, até ser exaurida, perdendo sua fertilidade”, disse Larissa, durante apresentação do atlas, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
De acordo com a professora, que já havia lançado uma versão preliminar dos mapas, em 2016, a obra tem como pano de fundo a questão agrária, intocada mesmo nos governos de Lula e Dilma Rousseff.
“Dos trabalhadores em situação de trabalho análogo ao de escravo, 70% estão na agricultura, o mesmo setor que consome 70% da água, envenena o meio ambiente e que deixa 1 milhão de pessoas intoxicadas, matando uma a cada dois dias. Trata-se de uma forma silenciosa de violência no campo.”
Fonte: Sul21