Gestão da internet pode sofrer alterações pelo governo; entenda o que pode mudar
A pressão por mudanças na composição do CGI.br viria principalmente de operadoras de telefonia e produtores de conteúdo
Especialistas apontam que os direitos dos usuários podem estar sob risco / Cecília Bastos/USP Imagens
Criado em 1995 para estabelecer diretrizes para o funcionamento da internet no país, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) pode sofrer mudanças por parte do governo interino de Michel Temer.
O ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab estuda reduzir a quantidade de integrantes e modificar o número de cadeiras destinados a cada setor. Hoje, o CGI.br tem 21 membros, sendo dez indicados pelo governo e o restante dividido igualmente entre empresas, representantes da comunidade científica e da sociedade civil.
Os integrantes do Comitê são eleitos de acordo com esses setores por meio do voto de entidades que se cadastram para o processo de escolha. Cada segmento, portanto, escolhe seus próprios representantes.
Neste momento, está ocorrendo o cadastramento das organizações da sociedade civil para a próxima eleição, que deve ocorrer em abril de 2017. O mandato de cada membro do CGI.br dura três anos, sem limite numérico para reeleições.
A pressão por mudanças na composição do CGI.br viria principalmente de operadoras de telefonia e produtores de conteúdo audiovisual, especialmente estúdios de cinema, incluindo estrangeiros.
O teor das alterações que podem ocorrer, entretanto, não é claro. “Existem movimentações dentro do governo interino, pressões de setores importantes para mudanças no CGI.br. O que realmente pode mudar, ainda é incerto”, diz Veridiana Alimonti, coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, organização que acompanha os debates sobre internet no país.
Para Flávia Lefèvre, uma dos quatro representantes da sociedade civil e advogada da Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, realizar modificações, principalmente relacionadas à restrição de cadeira, seria “uma perda”.
“O CGI.br é um modelo de referência internacional. Caso se queira aperfeiçoá-lo, é preciso entender que esse não é o melhor momento, muito menos sem realizar uma discussão ampla com a sociedade. É uma conjuntura política conturbada, um governo provisório… O processo eleitoral para a sociedade civil está aberto desde maio, ou seja, seria mudar a regra no meio de jogo”, afirma Flávia.
Banda larga em disputa
“As informações que nos chegam é que as teles estão extremamente incomodadas com o fato de que o Marco Civil reforçou o papel do CGI.br, e o decreto que o regulamenta deixa isso ainda mais claro”, diz Flávia.
De acordo com ela, as posições do Comitê contrariam as medidas defendidas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A movimentação das empresas de telecomunicação seria, portanto, dupla: aumentar sua presença no CGI.br e transferir toda a regulação da internet para a Anatel.
No Brasil, a Anatel regulamenta os aspectos relacionados à infraestrutura da internet. O provimento de acesso, hoje, não é considerado serviço de telecomunicações. Se passar a ser, também passará a ser regulado pela agência.
Caso isso ocorra, Flávia afirma que diversas conquistas favoráveis aos usuários estabelecidas no Marco Civil estariam “fortemente sobre risco”.
“É óbvio que as teles preferem o ambiente regulatório da Anatel, que, sendo generosa na análise, é muito mais fácil para elas administrarem do que o espaço do CGI.br, onde o voto delas vale o mesmo que o meu”, aponta ela. Uma das questões que estaria sobre risco é a neutralidade da rede, através da proposta de limitação do acesso através de franquias.
“A Anatel defende o bloqueio. O CGI.br, ainda que não tenha dito que não pode limitar, afirmou que antes de alterar o modelo de prestação de serviços são necessários estudos empíricos, técnicos e legais, além de um debate amplo com a sociedade. É uma medida extremamente restritiva e violenta, que desagrada a todas as classes de consumidores. A Federação do Comércio, por exemplo, já se posicionou contra. Além disso, o Marco Civil proíbe expressamente a interrupção, exceto em caso de débito. A Anatel diz que pode interromper”, contextualiza Flávia.
A ofensiva das empresas ocorre por conta de aplicativos como o WhatsApp e o Netflix, que reduzem os custos dos usuários com comunicação e entretenimento e, por outro lado, atingem o mercado das companhias de telefonia e audiovisual.
As franquias de internet retomariam os ganhos das empresas, em detrimento do livre acesso dos consumidores, que, obviamente, já pagam pelo acesso à internet.
Sem reposta
A reportagem entrou em contato com o Ministério da Ciência e Tecnologia, mas não obteve resposta até o final da edição.
Por Rafael Tatemoto
Edição: Camila Rodrigues da Silva
Fonte: Jornal Brasil de Fato